terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Falo

Falo curto, falo manso. Falo, falo. E não canso. Faço do verbo arma pra me entender nesse mundo de gente que tanto fala sem saber que ninguém está nem aí pros seus problemas de comercial de margarina.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

As coisas

Não carregava consigo nada além de alguns trocados no bolso, uma ideia na cabeça e a certeza de que as coisas, essas sempre se ajeitam. Nem que a gente tenha que se ajeitar um pouquinho pra caber nelas. Porque quando você olha pro mundo sorrindo, vira parte de seu mistério e seu sorriso fica refletido nas coisas que cruzam pelo seu caminho. E você passa a acordar todos os dias com a estranha sensação de que as coisas também estão no mundo pra te fazer sorrir.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

" Homem ao mar! "

Hoje acordei assim. Um pouco com muita saudade e com receio, temendo quebrar e partir ao meio antes que alguém desate esse nó que ainda prende nossos pés no convés de um navio destinado a afundar. E procuramos, náufragos e cegos, por um colete salva-vidas, enquanto nossos corações já se atiraram ao mar.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Cinema mudo

E já que nosso roteiro é clichê, resolvi atropelar tudo e inverter as cenas pra sair de cena antes que os personagens terminem suas falas. Não que isso vá mudar o final da história, porque quando as luzes acenderem vamos virar um filme mudo que não valeu a pena mudar de canal pra ver e cuja única lembrança são dois ou três grãos pipoca e de saudade esmagada no chão de uma sala de cinema vazia.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Sabe


Ele ainda não sabe que o mundo não é bom. 
E todos os dias quando acorda sente uma vontade 
quase visceral de fazer alguém sorrir e, quando consegue, 
sente que valeu a pena sair da cama. 
E tudo porque ele ainda não sabe o que todo mundo sempre soube, 
mas sabe o que ninguém jamais saberá: 
Que o que todo mundo sabe é também aquilo que os torna cada dia mais sós.
E e ele, mesmo sem saber, é o único que ainda consegue ser capaz de sentir.

samba


Vou fazer um samba com as batidas do seu coração. 
Tocar pandeiro pra você dançar sem 
medo de errar o passo.
É dois pra lá, nós dois pra cá e o samba vira bossa e
a noite vira nossa e deixa a fossa pra depois.

Porque os problemas já viraram poesia
e a noite dá o tom da melodia pre'sse samba de nós dois.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

diálogo



- Por que você escreve tanto?
 - Acho que penso demais.
 - E quando escreve você não pensa mais?
 - Penso. Mais. Mas penso naquilo que tô pensando e organizo os pensamentos.
 - Achei confuso.
 - Sou assim confuso mesmo.
 - Eu gosto.
 - De confusão?
 - De você.

 [silêncio]

- Você sabe que vou escrever sobre isso, certo?
 - Eu sei. Depois você lê pra mim e a gente ri.
 - Por que riríamos?
 - Não sei. Podemos rir de mim por dizer tudo assim na lata. Ou de você por precisar de um papel pra conseguir dizer qualquer coisa.
 - Tem razão. Preciso.
 - De um papel?
 - De você.

 [silêncio]

terça-feira, 8 de julho de 2014

O tempo



Quis perguntar se só dessa vez poderia parar o botão do tempo 
e ter tempo pra descobrir que nunca viria a saber tudo que poderia ter sido 
se não tivesse passado tanto tempo parado 
com medo do tempo passar.

sábado, 24 de maio de 2014

A procura

Reviro os papéis amassados na gaveta, a procura daquilo que sei não estar lá. Os dias se arrastam e a poeira se acumula nos móveis que mantenho intactos como se assim, sem mudar nada de lugar, ainda consiga sentir, ao entrar na sala, o aroma daquelas primaveras. Inútil tentativa. As pétalas já caíram e há muito o silêncio é a companhia que preenche o vão da porta que continua semi-aberta e por onde passa o vento, passa a luz e passa o tempo sem que ela passe de novo por ali.

terça-feira, 13 de maio de 2014

O abraço




Não dá pra abraçar o mundo, Cecília.
- Nem se eu abrir bastante os braços?
- Se fizer isso, não vai conseguir fechá-los. 
- E isso é ruim?
- É terrível. Todo abraço precisa ser mais apertado do que a saudade que vai ocupar o espaço deixado
depois da despedida.

sábado, 26 de abril de 2014

Sou





Sou curva de rio e você barquinho tentando flutuar.
Sou passagem só de ida comprada na última hora pra lugar nenhum.
Sou trevo de quatro folhas no alto da colina que você não pode escalar.
Sou quinze minutos a mais de sono antes do despertador tocar e te tragar de volta à realidade.
Sou a música riscada do seu CD favorito. O verso inacabado que você desiste de escrever por não achar a rima perfeita.
 Sou a brisa que toca seu rosto e vai embora, antes que você tenha tempo de abrir os olhos.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

a-manhã

Decifra-me.
Demora-te.

Cala minha boca com teu beijo e sufoca meu medo 
com a vontade de nós.
Não deixa que o furacão de pensamentos meus te carregue 
pra longe daqui.
Onde eu não possa te alcançar e a gente se perca logo agora que 
arrombei a porta 
pra você não precisar mais pedir licença quando chegar.


E se você decidir que quer ficar eu posso pintar a parede da sala 
com cores vivas pros dias em que você chegar achando 
que a vida lá fora anda cinza demais 
pros teus olhos azuis.
E quem sabe até arrumo a cama e deixo o sol
entrar pela janela 
só pra ver seu sorriso refletido no meu rosto 
por mais um amanhã.

quinta-feira, 20 de março de 2014

O encontro



Ei você aí parado no balcão, mexendo nas pedras de gelo do copo com um ar distante de quem não percebeu que o uísque já acabou há tempos, evaporando junto com os pensamentos que te fazem sonhar longe daqui. Sabe que eu já estava de saída? Tinha acabado de decidir que não queria mais saber desse negócio de gente. Que a partir de agora ia ficar meio assim na minha, só espiando as pessoas todas inventando jogos pra distrair o medo e adiar a felicidade. Mas quando estava saindo te olhei e me aconteceu uma coisa engraçada. Senti brotar aqui bem pequena uma vontade de ficar. Pra que? Não sei dizer. Talvez pra te pagar uma bebida enquanto você me conta qualquer coisa assim banal sobre você e eu sorrio sem dizer que achei isso a coisa mais legal do mundo. Pra te contar algum episódio desastrado da minha infância só pra te fazer rir e te ouvir dizer, baixinho, que você acha fofo pessoas atrapalhadas como eu. Talvez eu nem queira saber o porquê. Talvez não haja nenhum motivo racional e eu deveria sair por aquela porta, chamar um táxi e ir pra casa. Mas sabe, acho que tanto você quanto eu já entramos com tanta gente em tantos barcos que afundaram, que me deu uma vontade enorme de te chamar pra nadar. Assim sem remo, sem bússola e sem hora pra voltar pra casa. E fazer da noite a nossa história sem início e sem final onde tudo que sabemos é da nossa vontade - ainda tímida e sem jeito - de ficar.

segunda-feira, 17 de março de 2014

Fuga

Foi assim, em uma sexta-feira qualquer entre doses de café e tédio que a ficha caiu. E desde então ele entendeu que a necessidade constante de se apaixonar era só sua cabeça brincando de ser coração pra gastar mais tempo se dedicando aos outros e não ter que pensar sobre a própria vida.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Vai

Vai. Mas vai agora. Antes que eu encoste a cabeça no travesseiro e seu cheiro esteja impregnado lá. Antes que meus braços pensem que foram feitos pra encaixar nos teus e se confundam sozinhos procurando seu abraço pelo ar. Vai antes que as madrugadas fiquem longas demais sem sua ligação ou que os dias fiquem chatos sem saber o que fazer com as horas que contava até encontrar você. Assim como chegou, vai. Sem avisar nem pedir licença, escancarando a porta que eu já nem lembrava mais de ter trancado. Vai antes que meu ouvido se acostume com o som da sua voz ou que você desembaralhe todos os nós que fiz na minha cabeça enquanto tentava - em vão - nos decifrar. E antes que eu perceba que você não é real e fui eu que te inventei só por querer brincar de ser feliz.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A prisão

Ele se prendeu a ela. Ela se prendeu a ele. Sem saber porque, sem sequer saber o que sentiam. Mas pressentiam que aquilo só podia ser bom. Sua prisão era o mundo inteiro e seus sorrisos estampavam o que só os dois sabiam: que aqueles dois, agora presos, eram mais livres do que jamais haviam sonhado em ser.